
Ratzinger, um papa muito ‘papal’. Entrevista com FĂșlvio Ferrario
Roma (NEV), 3 de janeiro de 2023 â Consultamos o teĂłlogo Fulvio FerrarioProfessor Titular de DogmĂĄtica na Faculdade Valdense de Teologia em Roma, um dia apĂłs a morte de Bento XVI.
Do ponto de vista protestante, quais foram as caracterĂsticas marcantes, positivas e negativas, do pontificado de Bento XVI?
Eu nĂŁo quero oferecer classificaçÔes. Diria que Ratzinger foi um papa muito “papal” que, no sĂ©culo XXI, quis e soube propor um modelo de catolicismo extremamente perfilado, a nĂvel eclesial, disciplinar e teolĂłgico. Isso nĂŁo constituiu um problema particularmente grave para as Igrejas evangĂ©licas: pelo contrĂĄrio, criou dificuldades para as tendĂȘncias, dentro da Igreja de Roma, que teriam querido entender o Vaticano II como ponto de partida e nĂŁo como ponto de chegada.
Ă justo dizer que Ratzinger foi o papa do inverno ecumĂȘnico, um inverno que talvez tenha começado quando ele era prefeito da Congregação para a Propaganda da FĂ©?
NĂŁo creio que Ratzinger fosse contra o ecumenismo: na verdade, ele repetidamente se mostrou aberto Ă discussĂŁo e, em Erfurt, em 2011, disse talvez as palavras mais profundas que um pontĂfice jĂĄ proferiu sobre Lutero (embora um observador malicioso pudesse insinuar que o a concorrĂȘncia, afinal, nĂŁo era muito forte…). Certamente, porĂ©m, concebeu o confronto em termos estĂĄticos, como clarificação recĂproca e nĂŁo como contaminação, uma troca de carismas. Em todo caso, Bento XVI foi mais atento e perspicaz do que muitos de seus fanĂĄticos, crentes e nĂŁo (hĂĄ tambĂ©m ratzingerianos ateus), que fizeram dela, pura e simplesmente, uma bandeira do conservadorismo ou mesmo da reação.
Uma personalidade conservadora que, no entanto, surpreendeu a todos com sua renĂșncia, um gesto corajoso e um tanto revolucionĂĄrio. Como vocĂȘ avalia esse aspecto?
Espero nĂŁo parecer irreverente se disser que ser emĂ©rito aos 85 anos me parece, entretanto, um gesto de bom senso. O fato de ser revolucionĂĄrio diz algo sobre a instituição da Igreja CatĂłlica. Bento XVI era certamente um conservador, mas tinha uma consciĂȘncia de fĂ© muito lĂșcida, que lhe permitia distinguir pessoa de função em termos pouco usuais para a sua Igreja, mas dos quais, a partir de agora, creio que os seus sucessores terĂŁo de levar em conta.
Depois de Bento XVI, foi eleito o Papa Francisco, de papa alemĂŁo para argentino. Ratzinger foi o canto do cisne da teologia europĂ©ia em um mundo onde o cristianismo tem cada vez mais raĂzes no hemisfĂ©rio sul?
Não é apenas uma questão de teologia: é precisamente o centro de gravidade do cristianismo que se deslocou para o outro hemisfério. Claro que não posso dizer se isso significa o fim do papado europeu. O que é certo é que a verdadeira periferia do cristianismo hoje é a Europa; ou, dito positivamente, as igrejas européias podem ser concebidas como postos avançados missionårios in partibus infidelium.
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